quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Mãe é por natureza a melhor médica, diz criador do método canguru

MARY PERSIA

Editora de Equilíbrio da Folha Online

No final da década de 70, as unidades neonatais eram locais proibidos para as mães. O isolamento do prematuro e outros bebês de baixo peso eram preconizados pela medicina --alinhada com a disseminação das incubadoras, criadas no fim do século 19. Até que médicos colombianos pegaram a contramão.

Há 30 anos, Héctor Martínez implantou o programa Madre Canguro no IMI (Instituto Materno Infantil de Bogotá) em parceria com outro médico, Edgar Rey Sanabria (que morreu em 1996). Com a receita de calor, carinho e leite materno, logo viu as chances de vida na UTI neonatal aumentarem.

Em entrevista à Folha Online, Martínez relata a luta "titânica" para convencer a comunidade internacional dos benefícios do método, hoje presente em cerca de 80 países. Em 1991, o médico foi ganhador do prêmio Sasakawa, avalizado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Pai de dois filhos que nasceram prematuros, ele diz ainda que as mães, por natureza, são as melhores médicas.

Folha Online - Qual era o cenário à época da implantação do método canguru?

Héctor Martínez - Criamos a metodologia em setembro de 1979. Desde o surgimento das incubadoras, em 1880, e especialmente no início dos anos 90, os prematuros e bebês de baixo peso eram separados das mães. Essa situação levou ao adoecimento e à morte de bebês, especialmente por infecções. As autoridades médicas decidiram isolá-los, criando unidades de neonatologia onde toda a equipe médica podia entrar, mas, por um grande paradoxo, a própria mãe não. Pode-se imaginar o quadro que, por cerca de um século, levou essas crianças a serem separadas do ser que mais lhes interessava.

No instituto, fazíamos o mesmo. Frente à grande morbidade, criamos a metodologia para que a mãe pudesse entrar, amamentar, tocar e beijar o filho. Obviamente, a saúde dos bebês melhorou. Então, aqueles que estavam clinicamente melhores, sem importar o peso, foram mandados para casa, para o colo da mãe (e também pai, irmãos e familiares) para que recebessem amor, calor e leite materno. Fizemos o controle ambulatorial, com resultados surpreendentes.

Os anos 80 foram uma luta titânica para convencer as comunidades nacional e internacional dos benefícios do canguru. Com muita fé, insistência, vontade, decisão e convicção ele foi aceito. Hoje, o método se encontra em cinco continentes, em cerca de 80 países, tendo se tornado um novo ramo da medicina quase universalmente.

Folha Online - As dificuldades materiais do IMI influenciaram na implantação do método?

Martínez - Nos países em desenvolvimento, os hospitais daquela época não tinham estrutura suficiente para um compromisso tão grande. Mas nosso interesse inicial se apoiava no fato de que o vínculo entre mãe e filho foi, por toda a história do ser humano, a base do nascimento, desenvolvimento e sobrevivência --a única e inigualável fonte de vida.

Folha Online - Com 30 anos de mãe-canguru, como avalia a evolução do método?

Martínez - Esse tempo foi essencialmente de consolidação de algo que a humanidade sempre viveu. As mudanças foram mínimas, uma vez que os princípios fundamentais (amor, calor e leite materno) não podem ser alterados, caso contrário os esforços falhariam. As mudanças foram na forma, não na essência.

Folha Online - Muitos hospitais brasileiros promovem o método apenas em parte e não preveem a interação 24 horas. Há muitas diferenças entre os resultados do canguru parcial e do integral?

Martínez - Obviamente a criança tem mais e melhores benefícios ficando 24 horas com sua mãe ou família do que se for colocado com ela apenas a conta-gotas.

Folha Online - A prática está sempre ligada à amamentação ou pode ser realizada sem ela?

Martínez - O leite materno é o alimento perfeito, o melhor que existe sobre a face da terra. A ignorância ou o objetivo de lucro de certos profissionais têm introduzido, ou tentado introduzir, alimentos industrializados a partir do leite da vaca e que são promovidos --por sede de lucro, repito-- sem considerar que a alimentação à base de leite humano nunca pode ser substituída por leite de vaca modificado.

Folha Online - O que o senhor destaca de suas viagens pelo mundo?

Martínez - Em todos os países (cerca de 75) pelos quais passei, sempre chama a atenção o fato de o vínculo entre mãe e filho ser sempre belo e cheio de vida. Este é o método que a natureza criou para a sobrevivência de suas crias.

Folha Online - Já observou erros na aplicação do método?

Martínez - O principal erro que encontrei é algo comum a muitos profissionais. É que, após mais de um milhão de anos criando seus filhos, as mães tenham agora quem queira lhes dar um manual de criação, dizer o que devem fazer --quando a mãe é, por natureza, a melhor médica, enfermeira, educadora, estimuladora e psicóloga.